domingo, 11 de agosto de 2013

O português arcaico: aspectos fonéticos e gráficos


No português dessa época verificam-se algumas características particulares a esse estagio de língua. No que diz respeito à relação grafema-fonema, tem-se o uso de <ch> para representar a africada palatal [tʃ] e o uso de <x> representando a fricativa palatal [ʃ]. Outro aspecto peculiar é o surgimento das consoantes africadas [dz] e [ts], as quais se aplicam os grafemas <z> e <ç>, respectivamente. Para o som da fricativa alveolar sonora [z] aplica-se o grafema <ss>, ao passo que para a representação da correspondente surda tem-se o grafema <s>.
No plano fonético-fonológico, as dez vogais tônicas do latim clássico – ī, ĭ, ē, ě, ā, ă, ŏ, ō, ŭ, ū – já estão reduzidas no português arcaico a sete – [i], [e], [ɛ], [a], [ɔ], [o], [u] – devido à perda do traço distintivo de quantidade, dando lugar à distinção com base na oposição de timbre. No que se referem às consoantes, as geminadas do latim são reduzidas a apenas uma. As oclusivas surdas simples sonorizam-se em início e meio de palavra: [k]attum (lat. cl.) > [g]ato; lu[p]um (lat. cl.) > lo[b]o.
No período arcaico havia o uso indiscriminado de <i> na escrita como vogal ou consoante, bem como <u>. Em vários textos medievais verifica-se o grafema <u> em lugar de <v>, como nas palavras ‘uos’ e ‘caualgar’. Essa confusão perdurou até inícios do século XVI, a partir da distinção entre essas letras e as letras ramistas <j> e <v>. Os dígrafos <lh> e <nh>, provavelmente de origem provençal, são utilizados para a representação das consoantes palatais [ʎ] e [ɲ], respectivamente.
Ainda nesse período ocorre o uso do til em vogais tônicas finais como sinal de nasalização, além da marcação com o uso de consoantes nasais, apresentando a variação gráfica ‘coraçõ’, ‘coraçom’ e ‘coraçon’, por exemplo. As terminações latinas -anus, -ane e -one evoluíram, respectivamente, para -ão, -ã/-an e -õ/-om/-on.
Com a síncope de algumas consoantes em meio de palavra, houve no português arcaico uma grande quantidade de palavras formadas por uma sequência de hiatos: credere (lat.) > creer (port. ant.); vinu (lat.) > vĩo; luna (lat.) > lũa.

sábado, 10 de agosto de 2013

Latim clássico versus latim vulgar


A relação latim clássico/ latim vulgar muitas vezes é falseada pela crença de que o clássico se refere ao latim escrito, enquanto que o vulgar corresponde ao falado. Também há o entendimento de que o latim vulgar surgiu do latim clássico, talvez pela transformação do latim nas línguas românicas. No entanto, são duas colocações equivocadas:
a) Segundo alguns latinistas, o latim clássico, além de escrito, também foi uma variedade de língua falada pelas pessoas cultas do império, na ‘alta’ sociedade romana. Isto porque os gramáticos e escritores romanos tomavam a linguagem 'culta' como base para o latim literário. Quanto ao latim vulgar, só o conhecemos através de textos escritos.
b) O latim vulgar já convivia com o clássico, representando a linguagem coloquial, em situações informais do cotidiano. Quando falamos em latim clássico e latim vulgar, não podemos estabelecer no tempo cronológico que o latim vulgar sucede ao clássico. As duas variedades do latim refletem duas culturas que conviveram no império romano: de um lado, o latim clássico, uma linguagem culta e literária advinda de uma sociedade conservadora e aristocrática; do outro, a linguagem coloquial, falada pelas classes mais populares.

Referencias
ILARI, Rodolfo. Linguística Românica. 3ª edição, São paulo: Ática, 2008. Série Fundamentos.
FARIA, Ernesto. Fonética histórica do latim. Rio de Janei- ro: Acadêmica, 1957.
––––––. Gramática superior da língua latina. Rio de Ja- neiro: Acadêmica, 1958.
NIEDERMANN, M. Phonétique historique du latin. Paris: Klincksieck, 1953.