sábado, 22 de junho de 2013

Do latim ao português: o sistema vocálico – Parte 2

O ditongo ‘æ’ do latim passa por um processo de monotongação, para uma vogal simples, mais especificamente para vogal [ɛ]: cælum (lat. cl.) > c[ɛ]u (port.). O ditongo ‘œ’ latino evolve-se para a vogal [e], que geralmente se nasaliza quando acompanhada por uma consoante nasal: cœna (lat. cl.) > cẽa (port. arc.) > ceia (port.); pœna (lat. cl.) > p[ẽ]na (port.).
As vogais em posição pós-tônica não final, mais fracas em relação às tônicas, sofrem a síncope no latim vulgar em sílabas mediais de proparoxítonas, refletindo na queda de palavras proparoxítonas da língua portuguesa. Alguns exemplos são encontrados no Appendix Probi: ‘ocŭlum’ non ‘oclu’, ‘calĭdum’ non ‘caldo’, originando os vocábulos ‘olho’ e ‘caldo’ no português.
Em posição pós-tônica final, observa-se que no latim as vogais átonas finais faziam parte dos morfemas de Caso para indicar a função sintática das palavras. Com o desaparecimento dos Casos latinos no latim vulgar – porque a função sintática não mais se indica pelo morfema de Caso, e sim pela ordem das palavras – os morfemas se reduziram à marcação -o para o masculino e -a para o feminino, além de -e para ambos os gêneros, heranças das 1ª, 2ª e 3ª declinações latinas, respectivamente.
No português arcaico, verifica-se a variação gráfica <i> ~ <e> e <o> ~ <u> em textos medievais para as átonas finais, posteriormente convencionadas na ortografia a <e> e <o>. Fernão de Oliveira, autor da primeira gramática da língua portuguesa, no século XVI, aponta que é possível admitir no português da época algum tipo de variação regional entre vogais médias altas e altas. No português atual, ainda há a variação [e] ~ [i] e [o] ~ [u], sendo que as vogais altas são predominantes na maioria dos dialetos: pot[ɪ] ~ pot[e]; bol[ʊ] ~ bol[o]. A vogal /a/ não acentuada em final de palavra não sofre variação no período arcaico, mas no período clássico ocorre a realização da vogal mais ‘relaxada’, como nas palavras cas[ə] e portugues[ə].
Com a síncope de algumas consoantes em meio de palavra, houve no português arcaico uma grande quantidade de palavras formadas por uma sequência de hiatos, que se simplificam já no português clássico quando a sequência se forma por duas vogais idênticas: credĕre (lat.) > creer (port. arc.) > crer (port.); legĕre > leer > ler; luna > lũa > lua; perdonare > perdõar > perdoar.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Do latim ao português: o sistema vocálico - Parte 1


Neste tópico observemos a 'evolução' do sistema tônico do latim ao português. As dez vogais tônicas do latim clássico – /ī/, /ĭ/, /ē/, /ě/, /ā/, /ă/, /ŏ/, /ō/, /ŭ/, /ū/ – estão reduzidas a um sistema de sete no português – /i/, /e/, /ɛ/, /a/, /ɔ/, /o/, /u/ – devido à perda do traço distintivo de quantidade, dando lugar à distinção com base na oposição de timbre – aberto ou fechado. Assinala-se que a distinção de timbre está associada à altura das vogais, i. e., quanto maior a abertura vocálica, menor será a altura da vogal. Sendo assim, o ‘ī longo’ latino assimila o timbre da vogal alta anterior [i], enquanto que ‘ĭ breve’ se assemelha ao timbre do ‘ē longo’, manifestando-se no português como vogal média alta anterior [e]. O ‘ě breve’ e o ‘o breve’ conservam o timbre mais aberto do latim, constituindo as vogais médias baixas [ɛ] e [ɔ], respectivamente. A vogal [a], tanto longa quanto breve, mantém o timbre de vogal central baixa. O ‘o longo’ e ‘u breve’ se assemelham em relação ao timbre, evolvendo-se para uma média alta [o]. Por fim, o ‘u longo’ permanece com o mesmo timbre de vogal alta [u]. Pode-se comprovar tal fato a partir da comparação entre vocábulos do latim clássico e do português: fīcum (lat. cl.) > f[i]co (port.); sĭtim > s[e]de; acētum > az[e]do; těrram > t[ɛ]rra; amātus > am[a]do; lătum > l[a]do; pŏrta > p[ɔ]rta; amōrem > am[o]r; bŭcca (lat. vulg.) > b[o]ca; pūrum > p[u]ro.